Cãibras: Porquê? Haverá realmente uma razão absoluta?
As cãibras musculares são conhecidas como algo intrínseco que acontece sem explicação, durante ou logo após o exercício. Trata-se, assim, de uma contração involuntária máxima, que pode acontecer em qualquer músculo e em diversas situações distintas.
Mas o que causa a cãibra? Tem de haver uma causa, não?
Não existe uma. Ou pelo menos uma que se ligue diretamente a este episódio menos confortável e que estabeleça uma causalidade absoluta. No entanto, alguns investigadores defendem que está associada a várias razões, como a desidratação e desequilíbrio de sais. Outros defendem, ainda, que pode estar mais relacionado com um reflexo do nosso cérebro secundário à fadiga dos músculos afetados.
Contudo, todos concordam que a cãibra, per si, é notoriamente imprevisível e cada indivíduo, mesmo sendo de populações e hábitos semelhantes, tem a sua própria resistência à cãibra. Assim, pode adiantar-se que um só remédio para a cãibra possa não resultar para prevenir as mesmas.
Não há um remédio?
De facto, é verdade, não existe nenhum remédio, comprimido ou sumo energético que por si só acabe de vez com esta praga! Mas, será mesmo uma praga ou só mais uma forma do nosso cérebro comunicar?
Cãibras musculares associadas ao exercício (CMAE)
Segundo as mais recentes investigações, as CMAE acontecem em diferentes populações desportivas, evidenciando-se mais em atletas de provas de endurance, e de desportos coletivos. No entanto, é tida em conta como uma ocorrência menor, acontecendo a um número reduzido de atletas. Outros estudos revelam que 50% dos questionários feitos a populações com menos preparações físicas referiam ter cãibras mais frequentes.
Em atletas de desportos coletivos, por exemplo, nota-se maior incidência nas primeiras 3 semanas de pré-época, podendo haver uma associação tanto com o período de maior carga de treino, como o aumento de temperatura. Além disso, notou-se também o período de maior incidência de cãibras na primeira semana, baixando progressivamente na segunda e terceira. Assim, pode fazer-se uma relação com o nível de fitness e com a capacidade de adaptação ao clima.
Em provas de endurance, como a maratona (42km), em clima frio, quase todos os casos ocorreram na fase final do percurso (após os 35km, em média), não havendo ocorrências registadas abaixo dos 24km. Assim sendo, isto pode relacionar-se facilmente com a alta intensidade (ritmo mais rápido de corrida) que uma prova competitiva exige, a duração mais longa do que o volume de treino diário e a inclinação do terreno. Isto pode levar a que os atletas atinjam fadiga mais cedo do que em treino. Outros fatores de risco podem estar associados à idade avançada, maior experiência de corrida, indivíduos mais pesados ou à possibilidade da falta de hábito de prática de alongamentos.
Hidratação e Desequilíbrio dos Sais
Este tipo de teoria encontra a sua evidência mais forte em estudos de trabalhadores em que o seu trabalho exige atividade física pesada e intensa. Nestes casos, registou-se que o aumento de produção de suor, bem como a elevada ingestão de água, estavam relacionados com um aumento considerável da incidência de cãibras. Todas tinham em comum as altas temperaturas, o excessivo consumo de água devido à desidratação, e o trabalho pesado contínuo.
Além disso, foi registado também que o maior número de incidência tende a ocorrer durante a segunda parte do horário laboral e em indivíduos fisicamente menos preparados. Evidencia-se, assim, que não está diretamente relacionado com o excessivo aumento de produção de suor.
Estudos mais recentes, em populações como corredores de longas distâncias, encontraram-se dados sobre alterações tanto no estado de hidratação como nas concentrações de sais, em atletas que experienciaram cãibras. Assim, os distúrbios na concentração de sais podem levar a alterações na ativação dos músculos mais utilizados, podendo potenciar o risco das mesmas.
Cãibras e a alteração do Controlo Neuromuscular
No que toca à parte neuromuscular, o tipo de cãibras mais estudadas não são as CMAE. No entanto, os investigadores acreditam que as mesmas têm uma relação com o nosso cérebro, através dos mecanismos que controlam e dissociam o movimento.
Mas existe também a hipótese desta ser uma atividade anormal reflexa dos nossos sensores de comprimento e tensão muscular, secundária à fadiga. Esta influência destes sensores, através de um efeito excitatório cerebral, que induz o nosso cérebro a “carregar no acelerador de forma descontrolada”, ative os nossos músculos até a um limite desconfortável. Por esta razão é que, variando o comprimento e a tensão muscular e usando o alongamento passivo normalize esta condição, não sendo de todo uma estratégia preventiva a longo prazo.
Por que é que as cãibras são mais recorrentes numa posição de encurtamento máximo?
Porque, nesta posição, existe menos informação por parte dos recetores de tensão e comprimento, diminuindo a sua ação reflexa, o que faz com que o nosso cérebro tenha de fazer o seu esforço máximo (contração voluntária máxima) para manter uma contração.
Temos de parar ou reduzir a nossa atividade?
De maneira nenhuma. O que os investigadores encontraram, em estudos onde se provocaram as cãibras voluntariamente, foi um aumento da resistência às mesmas. Assim, existem duas hipóteses:
1) Aumentamos a perceção do músculo no nosso cérebro, e isso faz com que não necessite de haver uma resposta de alarme;
2) Aumentamos a nossa capacidade de produzir força voluntária naquele músculo, porque tal aumenta a resistência à fadiga.
Como evitamos as cãibras?
No entanto, a melhor maneira para aumentar a resistência a cãibras, é através do treino de força. Isto de forma a aumentar a capacidade física nos padrões de movimento que geram a cãibra, em detrimento dos alongamentos, onde não se encontram grandes benefícios em estudos em que se comparam aqueles que tinham hábitos de alongamentos e aqueles que não.
Se estamos em estado de fadiga e se a nossa preparação, que normalmente é monitorizada pela nossa capacidade de produzir força, estão reduzidas, o mais provável é haver uma contração descontrolada para que saibamos que temos de parar. Afinal, o movimento é algo harmonioso.
Em indivíduos com o mesmo estado de fadiga, por exemplo em maratonistas, não foram encontrados episódios de cãibras em todos eles. Demonstra, assim, que a fadiga, por si só, não é causa suficiente para as CMAE.
As causas não são absolutas. No caso das temperaturas altas, estas aumentam a probabilidade de ocorrer cãibras, no entanto também acontecem em temperaturas frias. Sabe-se que o cérebro e todo o sistema que se liga aos músculos têm um papel nas CMAE. A baixa ingestão de água, aquando da prática de exercício físico, ou a excessiva ingestão de água associada à elevada perda de suor (sais minerais), sem reposição dos sais perdidos, são de facto fatores de risco para as mesmas.
Concluindo, as Cãibras Musculares Associadas ao Exercício são, assim, um processo multifatorial em que a nutrição e a capacidade física têm um papel preponderante para as evitar, de acordo com as experiências e a individualização de cada um.
Redigido pela Equipa de Fisioterapia